Estefânia Neves
Glauce Souza
-Bolsitas do PIBID-Letras/UESB
GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem – 4ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 1997, Capítulo 3, p. 115 à 217
No capítulo 3 do livro Portos de passagem, João Wanderley Geraldi, desenvolve serias reflexões a respeito do ensino da língua e sobre espaço escolar e seu processo histórico de democratização. O mesmo apresenta algumas alternativas para o espaço do trabalho discursivo. Critica o inchaço das redes públicas de ensino e uma série de aspectos sociais problematizadores do processo de ensino-aprendizado. Geraldi se utiliza desses argumentos para apontar as falhas no ensino da língua que, segundo ele, é sistematizado, mecanizado, centrado na síntese, nas generalizações através de regras abstratas. E talvez a falha mais grave: o estudo da gramática é confundido com o ensino da língua.Geraldi defende que o ensino da língua deve ser voltado a dois objetivos a que se pode propor um professor: ou o objetivo de desenvolver no aluno as habilidades de expressão e compreensão de mensagens – o uso da língua – ou o objetivo de conhecimento do sistema lingüístico – o saber a respeito da língua. Ao propor o ensino da língua como um ensino de conhecimento e produção o autor contraria a concepção de ensino da língua como reconhecimento e reprodução.O autor critica o processo de passagem do trabalho científico para os conteúdos de ensino que ignora as práticas de linguagem dos alunos e professores bem como os próprios conceitos produzidos na reflexão científica. Diante dessa falha, Geraldi convida-nos a refletir sobre o real papel da produção textual na escola, defendendo que para se produzir um texto (em qualquer modalidade) é preciso que:a) se tenha o que dizer;b) se tenha uma razão para dizer ao que se tem a dizer;c) se tenha para quem dizer o que se tem a dizer;d) o locutor se constitua como tal, enquanto sujeito que diz para quem diz.e) se escolham as estratégias para realizar (a), (b), (c) e (d).Na perspectiva assumida, grande parte do trabalho com leitura é “integrado” à produção em dois sentidos: de um lado ela incide sobre “o que se tem a dizer”, pela compreensão responsiva que possibilita na contra palavra do leitor à palavra do texto que se lê; de outro lado, ela incide sobre “as estratégias do dizer” de vez que, em sendo um texto, supõe um locutor/autor e este se constitui como tal. Por meio da reflexão deste contexto de produção, pode-se recuperar na escola um espaço interativo em que os estudantes possam desvelar-se como produtores eficientes de textos. Para Geraldi, as leituras realizadas em sala de aula não respondem às necessidades, nem interesse dos alunos. Propõe-se então que a entrada do texto em sala seja através de uma produção textual voltada para a experiência pessoal do estudante.Logo, devemos lembrar do caráter simbólico da linguagem, na sua função de representar o mundo. O enunciador, no caso aluno, seleciona e organiza “ingredientes” através dos quais representará o objeto a que se refere, e falará sobre o que se deseja falar. Sob esse aspecto é que deve ser construída uma ação pedagógica afim de que o aluno possa descobrir que o texto pode atender a suas necessidades e expressar suas opiniões.Logo, o autor faz análises de textos produzidos pelos alunos, nos levando a reflexões diversas sobre o cotidiano dos mesmos. Através desses textos, propõe-se um conjunto de questões a fim de criar um diálogo entre professor e aluno para saber o que ambos têm a dizer a respeito do que foi escrito. Um pouco saber que pode se transformar em querer saber mais.Geraldi propõe uma nova forma de trabalhar produção textual. Partindo da produção para a leitura e o retorno a produção. Um texto que responde a necessidades e provoca necessidades, na intenção que o próprio aluno perceba o que precisa aprimorar no que tem a dizer e nas suas estratégias para dizer. Ao professor, cabe a análise de qual conhecimento o aluno acionou para produzir o que produziu e por que motivo.O autor chama a atenção também para a atividade reflexiva da língua. Fazem-se necessárias atividades que ampliem a capacidade de argumentação e aquisição de novas formas de expressão. A tarefa do professor é chamar a atenção para a organização dos argumentos utilizados nessa estratégia. O objetivo é mostrar a função discursiva da língua que constituem na nossa interação através dos textos, pois, é no uso da linguagem que atuam nossas interações.Geraldi defende o ensino da língua através da produção de texto com uso despojado, mas cheio de reflexões. Isso nos leva a pensar que, se a linguagem tem a função de representar o mundo é inconcebível ensinar língua sem ser através do seu uso. É interessante então, adotar a prática de pedir aos alunos que expressem seu cotidiano, suas experiências através de textos. A produção do discurso em sala de aula será o ponto de partida para ensino do desenvolvimento da argumentação e o uso da linguagem como objeto interação. Seria essa uma oportunidade de deixarmos de lado o ensino sistematizado, mecanizado, rumo a uma prática de ensino que vise o envolvimento entre falante e sua própria língua que será, a partir de agora, seu instrumento de expressão, já que este, por sua própria experiência como enunciador, se utilizou de recursos da sua língua para produzir textos com a finalidade de interação. O que Geraldi propõe também é que nós, futuros educadores, ouçamos nossos alunos, vejamos o que eles tem a dizer. É a oportunidade de falar que os tornaram condutores do seu processo de aprendizagem. Para a construção de argumento se faz necessário que se tenha algo a dizer. Para isso, é preciso desenvolver a competência discursiva, e o discurso só virá se houver envolvimento com o tema proposto. Se, para Geraldi, o ensino da língua se dá primeiramente no diálogo, no exercício da oralidade, não há como conversar com alguém sem saber o que lhe interessa. Esse processo torna-se então decisivo se queremos que nossos alunos produzam conhecimento e os expressem através da língua, ou se simplesmente permitiremos que escrevam textos apenas para serem lidos por nós, em troca de uma nota.O ensino de língua para Geraldi está intimamente ligado à argumentação, ao discurso. Tanto que o ensino de gramática é pouco citado na obra, segundo ele o que já foi produzido pelo aluno servirá de base para detectar problemas gramaticais para serem orientados em sala, no ato de reescrever o professor terá oportunidade de fazer as inferências necessárias nos textos. Sem dúvida, um desafio para quem concebe ensinar língua como ensinar a gramática normativa, tendo suas prescrições de uso como dogmas, uma crença incontestável de que, quem domina a gramática conhece a língua. Durante todos esses anos observa-se o ensino irracional, sistemático, metodológico da língua. Como se fosse possível separar a linguagem de sua função social de expressão e comunicação, bombardeando os alunos com um conjunto de regras inúteis, incompletas e confusas que não o tornará dominador de sua língua. Pretendemos então, ir rumo a uma prática de ensino da escrita como uma das várias formas de expressão, relacionada a um conjunto de experiência do falante vivenciadas em interação. Isso propõe Geraldi, a gramática não é a única fonte de ensino da língua, que pode ser complementado com um conjunto de estratégias que levem ao aluno à refletir sobre uma série de fatores que agem sobre a modalidade escrita de sua língua.Acreditamos que a leitura do livro Portos de passagem, torna-se obrigatória para quem propõe uma nova construção do professor de língua em sala de aula.